Dançando com Árvores

Mistérios Negros, Ilha Terceira, Açores. Uma floresta. Uma floresta pristina. A abordagem. Caminhando por uma paisagem aberta em direcção à orla da floresta, apercebendo-me à distância das copas fechadas das árvores com as suas sombras profundas sobre a misteriosa vegetação rasteira. Um labirinto de troncos e galhos, musgos húmidos e almofadados, pedregulhos de basalto e caminhos sinuosos. O leve nervosismo quanto ao compromisso de se ser testemunha. A sensação subjacente de dever, de realização. Estou totalmente empenhada em alcançar. A desconstrução. E então a estupefacção, a surpresa, o espanto, do meu inesperado e completo desfazer no momento em que entro no verde, sob as copas. Que recepção tão gentil. O sopro das árvores envolve-me, abraça-me, acalma-me. Não há lugar para interrogações, apenas aceitação, entrega e deleite. Que alívio. O convite para me juntar à dança. Um abraço mútuo. Gratidão infinita e um profundo sentimento de pertença inundam-me. Isto é felicidade, alegria pura e simples. Sentindo e movendo-me suavemente com a música. Corpo, mente, alma e coração em sintonia, seguindo o suave, mas poderoso chamamento, parar e escutar o eterno e duradouro “agora”. Há uma beleza e perfeição tão profundas nesse movimento em conjunto que me deixa saciada, sem desejos, mas com uma reverência avassaladora pelo grande dom da vida neste planeta que nos é oferecido a nós, a mim. O entendimento. Quanto mais velhas são as árvores, mais sábias são, mais profunda é a sua compreensão, o seu toque, a sua oferta, a sua cura. A sua respiração é a sua dança, a dança de tudo o que está vivo e é sagrado, inscrevendo uma assinatura no tempo, consagrando o espaço, criando e perpetuando o significado da existência. O intocado, o imaculado, a floresta virgem é um santuário. Estas florestas são as guardiãs da vida. Se desaparecerem, eu desaparecerei, tudo desaparecerá. A homenagem. Steve e eu juntamo-nos à dança, adoptando o ritmo da floresta com naturalidade. Há o receber, o compreender, o retribuir. Ele em imagens, eu em palavras. Criando, acrescentando à assinatura. Tanto em movimento como em imobilidade. Corações abertos. Texto de Bettina Gerike, co-fundadora das Semente Vivas, sementes biológicas e biodinâmicas, Portugal. Tradução, cortesia de Manuel Bragança